Quando, há quase mil anos, São Romualdo instalou-se com cinco discípulos no Eremitério de Camaldoli, na Itália, estava longe de pensar que aquela pequena instituição se tornaria um centro de oração e de cultura que atravessaria os séculos, estendendo sua irradiação até os dias de hoje.

 

Como o sol que a cada dia desponta com renovada beleza, assim também ao longo da História vão surgindo no seio da Igreja Católica carismas e vocações as mais belas, variadas e surpreendentes, desde um São Paulo, todo voltado à ação apostólica, um São Vicente de Paulo, dedicado à assistência aos pobres, ou um São Camilo de Lellis, consagrado aos enfermos, até almas que vivem no mais completo silêncio e isolamento, dedicadas unicamente à oração e à contemplação. Como a lamparina ardente diante do Santíssimo, vão se consumindo lentamente no zelo do Senhor.

Recentemente tive a feliz oportunidade de conhecer, junto com outros Arautos do Evangelho, uma dessas maravilhas da graça: os camaldolenses, Ordem religiosa contemplativa que se inclui entre as mais rigorosas existentes na Igreja.

Em uma fria manhã, nos acercamos da mítica montanha de Camaldoli, de mais de mil metros de altitude, a leste de Florença, nos Montes Apeninos, onde se localiza o mosteiro e o eremitério fundados por São Romualdo, no século XI.

À porta do mosteiro fomos recebidos pelo Pe. Hugo Fossa, revestido do hábito branco característico desses monges, o qual nos relatou como se deu a fundação de sua família religiosa.

Incansável fundador e reformador de mosteiros

Romualdo era filho de Sérgio I, Duque de Ravena, homem da mais alta nobreza medieval, mas mundano e muito agressivo. Não foi, ele, pois, quem ensinou ao menino o caminho da santidade, mas foi o protagonista de um trágico acontecimento que marcou para sempre a vida de seu filho e o fez tomar a resolução de fazer-se religioso.

Em uma fria manhã, guiados pelo Pe. Roberto, alguns Arautos do Evangelho percorreram com emoção as ruas do Eremitério de Camaldoli

Por volta do ano 972, o Duque Sérgio bateu-se em duelo com um inimigo — ao que consta, um seu irmão, por litígio de terras —, matando-o a golpes de espada. E Romualdo, então com 20 anos de idade, foi testemunha da brutal cena.

Vendo o morto estirado ao solo, com as feridas jorrando sangue, e, de outro lado, a fisionomia feroz de seu pai, o jovem percebeu num relance como é horrível o homem que se deixa dominar pelas paixões desregradas. Muito chocado, tomou a decisão de abandonar os vãos prazeres da vida mundana e fazer-se monge.

Grandes progressos em pouco tempo

Partiu, então, à procura da solidão nas montanhas, estimulado pela graça de Deus que lhe sussurrava no fundo da alma: “Felizes os eremitas que se afastam do mundo e se isolam nessas solidões onde não são escravizados pelos maus costumes e pelos maus exemplos!” Encontrando um mosteiro beneditino, pediu para ser recebido ali. O superior, porém, receando uma reação violenta do Duque, hesitou em aceitá-lo. Somente com a intervenção do Arcebispo de Ravena, que serviu de intermediário, o jovem conseguiu ser admitido.

Morte de São Romualdo, afresco da capela do Mosteiro de Camaldoli

Nesse convento o novo monge passou três anos dedicados à oração e à penitência. Por serem relaxados, os outros religiosos sentiam-se censurados pelo grande fervor do recém-chegado e acabaram por pedir ao superior que o afastasse dali.

Romualdo resolveu, então, ir morar em Veneza, onde passou a levar uma vida de total isolamento. A Divina Providência pôs em seu caminho um eremita rigoroso e sumamente austero, Marino, sob cuja direção fez ele em pouco tempo grandes progressos na via da santidade.

“O Doge desapareceu!”

Junto com Marino, Romualdo conseguiu duas notáveis conversões. A do Duque de Ravena, seu próprio pai, que se arrependeu da antiga vida de pecados e foi fazer penitência num convento. E a do Doge (o supremo governante) de Veneza, cidade-república que viria a se tornar uma grande potência.

Numa ensolarada manhã de verão do ano de 978, ouviu-se nessa cidade um brado de alarme: “O Doge desapareceu!” Ninguém sabia do paradeiro de Pietro Urseolo. A notícia causou grande sensação, pois havia apenas dois anos o seu antecessor fora assassinado por conspiradores que destruíram também o Palácio Ducal.

Felizmente, porém, desta vez não se tratava de conspiração nem de homicídio. O nobre fugira à noite, acompanhado de Romualdo, numa longa viagem até o mosteiro beneditino de São Miguel de Cuxa, nos Pirineus, Catalunha, para dedicar-se à oração e à contemplação. Ali morreria como simples monge, após dez anos de vida austera e humilde. Desde 1731, é ele festejado pela Santa Igreja com o glorioso título de São Pedro Urseolo.

A fundação de Camaldoli

Após cinco anos na Catalunha, Romualdo voltou à Itália, percorrendo esse país durante trinta anos, fundando mosteiros e eremitérios.

Desejando levar vida de isolamento completo, recebeu de um certo Maldolus algumas terras, que depois ficaram conhecidas como Campus Maldoli. Por volta de 1025, Romualdo e cinco companheiros construíram ali seis casinhas e uma capela, no meio das rudes montanhas.

Em cada casa vivia um eremita em completo silêncio e isolamento, rezando, meditando, oferecendo sacrifícios pela conversão dos pecadores e pela vinda do Reino de Deus. E assim continuou ao longo dos séculos. Hoje são ao todo vinte casas simples enfileiradas nos dois lados de uma estreita rua, cada uma delas comportando uma exígua capela, uma biblioteca com escrivaninha, uma cama e uma oficina para trabalhos manuais. Todas são desprovidas de conforto, mas muito carregadas de simbolismo e de graças!

Percorremos com respeito e emoção a rua, guiados pelo Pe. Roberto, um sorridente eremita de 84 anos de idade, dos quais 70 de vida religiosa. Na casa atualmente ocupada por ele há uma capela, na qual se pode ver um quadro que representa São Carlos Borromeu ajoelhado diante do crucifixo, lembrando ter o santo utilizado esse local para um retiro espiritual, no século XVI. Tivemos, por fim, a insigne graça de visitar a casa de São Romualdo, verdadeiro coração dessa obra tão importante para a Igreja e para a sociedade.

O mosteiro

A pequena distância do eremitério, São Romualdo fez construir um edifício destinado a servir de hospedagem, enfermaria e intendência, a fim de que a vida contemplativa dos eremitas não fosse perturbada por nenhuma preocupação de ordem material.

Vinte casas simples compõem o Eremitério de Camaldoli

“Na época do quarto Prior, essa hospedagem foi transformada em mosteiro, com o intuito de fazer um noviciado para formar os jovens candidatos à vida eremítica”, informa o Pe. Hugo.

Hoje, Camaldoli abriga 35 religiosos: 15 no mosteiro e 20 no eremitério. “Não temos lugar para mais ninguém, e o número nunca foi maior do que este”, acrescenta o Pe. Hugo. Hoje os camaldolenses têm comunidades também na Califórnia (Estados Unidos), Banda Aceh (Indonésia) e Mogi das Cruzes (São Paulo, Brasil).

Camaldoli foi a última fundação de São Romualdo. Este homem de Deus, que desde a juventude não tivera outra aspiração senão a de viver isolado em alguma montanha, num íntimo convívio com seu Redentor, acabou levando durante meio século a vida de um “abade-itinerante”. Quando, terminada sua carreira nesta terra, foi receber no Céu a coroa da glória, havia ele reformado ou fundado cerca de 100 mosteiros e eremitérios, com a regra de São Bento, povoando-os de milhares de monges e eremitas encaminhados por ele nas vias da perfeição.

Morreu santamente numa pequena cela do eremitério de Val-di-Castro, no ano de 1027, sendo canonizado em 1595.

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