Poderá este terceiro milênio, imerso no pragmatismo e no ateísmo prático, compreender um Amor sem limites, desinteressado, que não deseja nada mais que a salvação das almas, sem buscar nada em troca, além da reciprocidade?

 

O terceiro milênio parece ter começado sob o signo da insegurança, das incertezas, das ameaças de guerras, das grandes desilusões. O progresso prometido pelos grandes avanços da técnica, nos séculos precedentes, trouxe conforto e rapidez nas comunicações, entre outras vantagens. Mas não alcançou a tão anelada paz, nem acabou com os sofrimentos de uma humanidade que se sente como um navio à deriva, em busca do rumo que a leve a bom porto.

Nessa situação de aflição e incerteza, uma voz se levanta como um farol: “Diz à humanidade sofredora que se aconchegue no Meu misericordioso Coração, e Eu a encherei de paz”.1

E essa mesma voz ainda acrescenta: “Consomem-Me as chamas da misericórdia; desejo derramá-las sobre as almas humanas. Oh! que grande dor Me causam, quando não querem aceitá-las!”.

São estas algumas das revelações que, para demonstrar seu incomensurável amor por uma humanidade que parece tê-Lo esquecido, fez Nosso Senhor a uma alma simples e despretensiosa chamada a ser arauto de sua Divina Misercórdia: Santa Maria Faustina Kowalska.

Religiosa da Congregação das Irmãs de Nossa Senhora da Misericórdia, nascida no início do século XX, viveu ela profundamente unida a Deus, praticando, no dia-a-dia, no silêncio e no sofrimento, as virtudes heroicas que a elevaram à honra dos altares. Como afirmou o Servo de Deus João Paulo II ao canonizá-la, foi ela “um dom de Deus ao nosso tempo”.2

No dia 4 de abril de 1937 a imagem de Nosso Senhor Misericordioso foi exposta pela primeira vez na igreja de São Miguel em Vilna, Lituânia

Chamada por Deus desde a infância

Helena Kowalska veio ao mundo em 25 de agosto de 1905, na aldeia de Glogowiec, na Polônia, em uma pobre família de camponeses, sendo a terceira de dez filhos. Já nos primeiros anos de sua vida, num ambiente familiar intensamente marcado pelo catolicismo, Helena sentiu o desejo de se entregar plenamente a Deus.

Ela mesma narra que, aos sete anos de idade, recebeu um “definitivo chamado de Deus para a vida religiosa”. Essa vocação a acompanhou em sua juventude, mesmo quando teve que trabalhar como empregada doméstica, para ajudar a sustentar a numerosa e humilde família. Mas foi só aos 18 anos que ela pediu insistentemente autorização aos pais para entrar num convento. Estes, apesar dos ardentes desejos da filha, recusaram-lhe firmemente o pedido.

Helena procurou, então, abafar a voz da vocação, que a perseguia sem cessar, distraindo-se com o que ela chamava de “vaidades da vida”.

Entretanto, tinha o Senhor reservado para ela uma grande missão e, apesar de todos os obstáculos, a vontade de Jesus venceria.

O convite decisivo

Um dia, estando com uma de suas irmãs num baile, na cidade de Lodz, Helena tentava em vão se divertir como outras moças de sua idade, porém sentia a alma pesada e infeliz. No meio de uma dança, de repente, ela viu a seu lado Nosso Senhor Jesus Cristo, coberto de chagas, e ouviu estas palavras: “Até quando hei de ter paciência contigo e até quando tu Me desiludirás?”.

Muito comovida, saiu disfarçadamente do baile, entrou numa igreja próxima e caiu prosternada diante do Santíssimo Sacramento, pedindo-Lhe com ardor que desse rumo à sua vida. E ouviu esta resposta: “Vai imediatamente a Varsóvia, e lá entrarás no convento”.

Helena se levantou e partiu sem demora para a capital. Levava apenas um vestido, mas possuía o maior tesouro: a inteira confiança e o abandono nas mãos da Providência.

Início da vida religiosa

Deus prova a quem ama. Assim, em Varsóvia, foi recusada em diversos mosteiros. Não desistiu, e afinal foi aceita — no dia 1º de agosto de 1925 — na Congregação das Irmãs de Nossa Senhora da Misericórdia, que se dedicava à reabilitação de mulheres de má vida e à educação de jovens em situação de risco. Durante seu postulantado, Helena passou por dúvidas tremendas a respeito da vocação. Mas afinal, vencendo todas as provas, recebeu o hábito de noviça, em 30 de abril de 1926, com o nome de Irmã Maria Faustina do Santíssimo Sacramento.

O noviciado foi para ela uma oportunidade para pôr em prática, com todo empenho, seus desejos de perfeição e união com Deus. Ciente de sua própria fraqueza e pequenez, ela se lançou sem reservas nos braços de Nosso Senhor, seguindo as vias da infância espiritual de Santa Teresinha do Menino Jesus.

Em vez de batatas… rosas!

Um incidente dessa época demonstra o quanto a jovem noviça se apoiava inteiramente em Deus, até nas coisas de aparências insignificantes. Designada pela superiora para trabalhar na cozinha, tinha grande dificuldade em manusear as enormes panelas. Era-lhe especialmente difícil escoar a água das batatas sem deixar cair fora uma grande quantidade destas. Intimidada por sua debilidade, Irmã Faustina tentara se esquivar dessa função, conseguindo apenas escandalizar as outras irmãs.

Sem o menor receio, a noviça pediu, então, ajuda a Jesus e Ele respondeu com uma clara voz interior que, daquele dia em diante, encontraria forças para executar a tarefa sem esforço. Naquela mesma noite, Irmã Faustina conseguiu derramar com facilidade a água da panela. Mas qual não foi sua surpresa quando viu, ao destampá-la, em vez de batatas, rosas vermelhas indescritivelmente lindas! E ouviu estas palavras de Nosso Senhor: “Transformei o teu trabalho tão pesado em buquês das mais belas flores, e o seu perfume eleva-se até o Meu Trono”.

Mais tarde, a Santa assim se exprimiria: “Vós me dais a conhecer e compreender em que consiste a grandeza da alma: não em grandes ações, mas em um grande amor. O amor tem valor e dá grandeza aos nossos atos. Embora as nossas ações sejam banais e vulgares por si mesmas, pelo amor tornam-se importantes e poderosas diante de Deus”. Esse amor a Deus era a luz que a guiava sempre, tanto nos pequenos quanto nos grandes encargos.

Missão de “apóstolo” da Divina Misericórdia

Em 1º de maio de 1933, Irmã Faustina fez os votos perpétuos. Sua missão de “apóstolo” da Divina Misericórdia já tinha se tornado explícita com as contínuas revelações e mensagens de Jesus: “No Antigo Testamento, Eu enviava profetas ao Meu povo com ameaças. Hoje estou enviando-te a toda a humanidade com a Minha misericórdia. Não quero castigar a sofrida humanidade, mas desejo curá-la, estreitando-a ao Meu misericordioso Coração”.

A fervorosa Irmã se entregou, com todo o empenho de sua alma, a essa importante missão, apesar de sentir em si tanta incerteza e incapacidade. “Secretária do Meu mais profundo mistério”, foi o título dado por Jesus à sua “apóstolo” da Misericórdia Divina.

As mensagens e revelações que ela recebia foram anotadas num Diário, escrito por expressa determinação do Divino Redentor: “Tua tarefa é escrever tudo que te dou a conhecer sobre a Minha misericórdia para o proveito das almas que, lendo esses escritos, experimentarão consolo e terão coragem de se aproximar de Mim”.

As páginas do Diário estão repletas de recordações das visões e íntimas conversas com Nosso Senhor e Nossa Senhora, das comunicações com Anjos, santos, e almas do purgatório, além de até mesmo uma visita ao Inferno e ao Purgatório. Simples, mas ao mesmo tempo de surpreendente profundidade teológica, o Diário é um tesouro de ensinamentos sobre a Divina Misericórdia.

Dar a conhecer os desejos do Salvador

Muitas das revelações tratavam de modo especial sobre a devoção à Misericórdia Divina, dada por Jesus especialmente para os dias nos quais vivemos: “A humanidade não encontrará paz enquanto não se voltar com confiança para a Misericórdia Divina”.

Nelas, Jesus manifesta enorme desejo de que as almas se voltem para Ele, com humildade, reconhecendo suas culpas, para que Ele faça valer Sua misericórdia: “Que toda alma glorifique a Minha bondade. Desejo a confiança das Minhas criaturas; exorta as almas a uma grande confiança na Minha inconcebível misericórdia. Que a alma fraca, pecadora, não tenha medo de se aproximar de Mim, pois, mesmo que os seus pecados fossem mais numerosos que os grãos de areia da Terra, ainda assim seriam submersos no abismo da minha misericórdia”.

Para que o mundo pudesse se beneficiar de tanta bondade, era necessário promover e divulgar essa devoção, conforme pedira o próprio Jesus: “Desejo que os sacerdotes anunciem essa Minha grande misericórdia para com as almas pecadoras. Que o pecador não tenha medo de se aproximar de Mim. Queimam-me as chamas da misericórdia; quero derramá-las sobre as almas”.

Esta grande missão acarretou à Santa inumeráveis sofrimentos, pois nem sempre fora compreendida pelos que a cercavam. Até que Nosso Senhor lhe concedeu, em 1933, um confessor sábio e prudente, o padre Miguel Sopocko. Ele a aconselhou e ajudou durante anos, guiando-a nas suas dúvidas e dificuldades.

O quadro original de Jesus Misericordioso, pintado sob orientação de Santa Faustina, é hoje venerado no Santuário da Divina Misericórdia, em Vilna, Lituânia

Jesus manda pintar um quadro

Em 22 de fevereiro de 1931, Santa Faustina recebeu uma das mais impressionantes revelações de seu Divino Mestre. Ela O viu vestido de branco, com a mão direita levantada em atitude de bênção; de Seu peito saíam dois raios, um branco e outro vermelho. Ouviu também Sua divina voz, ordenando-lhe mandar pintar um quadro segundo o modelo que estava vendo, com a inscrição: “Jesus, eu confio em Vós”. “Prometo  — acrescentou Jesus — que a alma que venerar esta Imagem não perecerá. Eu mesmo a defenderei como Minha própria glória”.

Numa revelação posterior, Ele explicou o significado dos dois raios: “O raio branco significa a Água, que justifica as almas; o raio vermelho significa o Sangue, que é a vida das almas”.

Depois de vários obstáculos, o quadro foi pintado por Eugeniusz Kazimirowski. A santa queixou-se ao Divino Mestre de que não era nem de longe tão bonito quanto a visão, mas Ele a acalmou, dizendo que não importava, pois o valor da imagem não estava em sua beleza artística, mas na graça dada por Ele.

Nosso Senhor pediu-lhe que o quadro fosse bento solenemente no domingo seguinte à Páscoa, que Ele instituiu como a Festa da Misericórdia: “O primeiro domingo depois da Páscoa deve ser a Festa da Misericórdia. Nesse dia, os sacerdotes devem falar às almas desta Minha grande e insondável misericórdia”.

Devoções para pedir a Divina Misericórdia

Em outra visão, foi-lhe revelada uma oração para aplacar a justa ira de Deus contra o mundo: o “terço da misericórdia”. Nosso Senhor mesmo ensinou-lhe a rezá-lo, da forma seguinte:

Primeiro dirás o Pai Nosso, a Ave Maria e o Credo. Depois, nas contas de Pai Nosso, dirás as seguintes palavras: Eterno Pai, eu Vos ofereço o Corpo e o Sangue, a Alma e a Divindade de Vosso diletíssimo Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, em expiação dos nossos pecados e dos do mundo inteiro. Nas contas de Ave Maria rezarás as seguintes palavras: Pela Sua dolorosa Paixão, tende misericórdia de nós e do mundo inteiro’. No fim, rezarás três vezes estas palavras: Deus Santo, Deus Forte, Deus Imortal, tende piedade de nós e do mundo inteiro’”.

Instituiu Ele também a “Hora da Misericórdia”, três da tarde, para que todos venerassem Sua Paixão. Esse momento do dia é a “Hora de grande misericórdia para o Mundo inteiro”, na qual “a misericórdia venceu a justiça”. Ele ainda revelou à Santa que não nega nada a quem pede em nome de Sua Paixão, nessa hora, especialmente pelos pobres pecadores.

“Não vivas para ti, mas para as almas”

Apesar de todos os dons extraordinários que recebera — inclusive os estigmas ocultos, profecia, discernimento dos espíritos, esponsais místicos —, Santa Faustina tinha bem em vista que a santidade consiste em cumprir a vontade de Deus, ainda que isto a levasse a se oferecer como vítima. Daí ela ter escrito: “Sei que o grão de trigo, para se tornar alimento, precisa ser esmagado e triturado entre as mós; assim também eu, para ser útil à Igreja e às almas, tenho de ser destruída, embora exteriormente ninguém perceba o meu sacrifício”.

Sofrendo a deterioração física causada pela tuberculose e pelo peso da grande responsabilidade de sua missão, Irmã Faustina pôde realizar o holocausto tão desejado. Sua doença não foi entendida imediatamente pela comunidade e, por esse motivo, algumas irmãs a acusavam de capricho e preguiça.

Também as revelações e dons extraordinários a fizeram objeto de suspeitas. Mas seu inalterável bom humor e sua bondade para com todos, sem exceção, sobretudo com uma irmã que a tratava particularmente mal, foram tão heroicos que levaram uma das religiosas a exclamar: “A Irmã Faustina ou é boba ou santa, porque realmente uma pessoa normal não toleraria que alguém sempre a tratasse tão acintosamente!”.

Sua caridade se estendia também às numerosas jovens da casa, às quais ela dispensava paciente e inesgotável dedicação. Vivia ela profundamente o sentido destas palavras de Nosso Senhor: “Minha filha, não vivas para ti, mas para as almas”.

Graças que excedem os nossos pedidos

Depois de várias estadas em hospitais, para tratamento de sua dolorosa enfermidade, Irmã Faustina retornou ao convento, onde entregou sua heroica alma a Deus, no dia 5 de outubro de 1938, com apenas 33 anos de idade.

Canonizada pelo Servo de Deus João Paulo II, em 30 de abril de 2000 — Domingo da Divina Misericórdia —, Santa Faustina ilumina o nosso século com sua missão e vida. A devoção e o conhecimento da Misericórdia, assim como o testemunho de sua insigne virtude, se espalham hoje pelo mundo inteiro, convidando-nos ao abandono sem temor nas mãos dAquele que sempre acolhe com bondade e nunca decepciona.

Pois, como Ele próprio disse a Santa Faustina: “Causam-me prazer as almas que recorrem à Minha misericórdia. A estas almas concedo graças que excedem os seus pedidos. Não posso castigar, mesmo o maior dos pecadores, se ele recorre à Minha compaixão, mas justifico-o na Minha insondável e inescrutável misericórdia”.

 

Notas


1 Salvo indicação em contrário, todas as citações entre aspas foram retiradas de KOWALSKA, Maria Faustina. Diário. Edição Brasileira. Congregação dos Padres Marianos: Curitiba, 1995.
2 Rito de Canonização de Maria Faustina Kowalska, Homilia do Papa João Paulo II na Concelebração Eucarística, 30/4/2000. n º 8.
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