Simão, até então um homem insignificante, desceu lentamente o Monte Calvário compenetrado de que sua vida doravante não seria mais a mesma: o sofrimento bem aceito o transformara em herói!

 

Na mais trágica hora da humanidade, surge das brumas do anonimato um homem para logo desaparecer da mesma forma. Entretanto, é graças a ele que Cirene, seu berço natal, está inscrita no grande livro da História.

Dele narram os Evangelhos que se chamava Simão, “vinha do campo” e era “pai de Alexandre e de Rufo” (Mc 15, 21). Talvez em nada se diferenciasse dos habitantes de qualquer cidadezinha: pacato, preocupado com as pequenas dificuldades da vida cotidiana. Sua existência monótona e sossegada prenunciava o irrelevante porvir de um homem que pouco ou nada se importa com os luminosos horizontes do heroísmo e da Fé.

Um desígnio divino pairava sobre Simão

Contudo, pairava sobre essa pessoa um desígnio divino: o até então insignificante Simão de Cirene era chamado a uma missão que despertaria uma santa inveja em todos os homens de fé, a ser pré-figura de incontáveis almas eleitas que se manifestariam nos séculos vindouros.

Deu-se numa sexta-feira a grande mudança. A bem dizer, para ­Simão tudo começaria e se encerraria naquele dia: chegara o momento preparado pela Providência desde toda a eternidade e a partir de então sua vida deveria tomar novo rumo.

A aurora iluminava vagarosas nuvens que se moviam ao sabor do vento. O silêncio da natureza pressagiava uma inexpressiva manhã de primavera. Em sua casa, Simão se aprestava para dar início aos afazeres diários. Pouco depois pegou o cajado e partiu para Jerusalém, onde tinha obrigações a cumprir. Palmilhara já tantas vezes aquela estrada, que reconhecia cada curva, cada panorama ou rochedo como um amigo de infância.

Entretanto, ao se aproximar de Jerusalém naquele dia, foi assaltado pela sensação de que algo muito anormal e inesperado ali estava acontecendo. Quanto mais se adentrava pelas ruas da grande cidade, mais intensa se tornava essa inexplicável impressão. Quão longe estava ele de imaginar que daí a pouco teria o encontro de sua vida!

O Cireneu carrega a Cruz de Jesus – Santuário de Jasna Gora (Polônia)

“Por que eu e não outro?”

Numa esquina, o alvoroço dos transeuntes e o vozerio tumultuoso de uma multidão atraíram a curiosidade de Simão. Observou com atenção certo homem que avançava lenta e penosamente, carregando uma pesada cruz, sob os gritos e as injúrias do populacho que o taxava de criminoso. Era, sem dúvida, um condenado à morte.

A cada passo que ele dava, aproximando-se do lugar onde estava Simão, este sentia seu coração bater mais forte, e ficava mais angustiado por ver em tal intensidade aquilo de que sempre fugira: o sofrimento.

Justamente quando aquele Varão de Dores passava frente ao ­Cireneu, sua exaustão chegou ao auge e Ele tombou sob o peso da Cruz, dando às duras pedras oportunidade de oscular aquelas chagas dignas da adoração da humanidade inteira. Ali jazia Ele, alvo das blasfêmias dos verdugos empedernidos, tendo por companheiro o abandono, por vestes a púrpura régia de seu Sangue e por estandarte a Cruz.

Simão contemplava, inerte e estarrecido, aquele quadro de extrema dor. A rude ordem de um soldado romano o despertou de seu estupor:

— Ei, você aí! Venha ajudá-Lo.

Simão tentou esquivar-se, mas em vão. A uma ordem tão peremptória era impossível opor resistência. Sangue e medo, chagas e vergonha, dor e humilhação: tudo aquilo de que nunca quisera sequer ouvir falar, era-lhe imposto agora de uma só vez. Seu interior se revoltava: “Nada tenho a ver com isto! Por que eu e não outro?”

Fortalecido por um olhar lancinante e arrebatador

Os desígnios de Deus, entretanto, não são os dos homens. Enquanto sua alma egoísta se debatia perante tão terrível perspectiva, o Nazareno o fitou com um lancinante olhar. Que olhar!

Quanta dor, mas também quanta bondade! Quanta dilaceração ao lado de tanta ternura! Aqueles olhos claros e serenos que suplicavam compaixão transpassaram a alma ao Cireneu e o arrebataram de tal maneira que sua resposta não se fez esperar.

Ei-lo com Nosso Senhor Jesus Cristo a caminho do Calvário. A Cruz pesa-lhe, mas a cada novo passo suas fadigas transformam-se em inefável alegria. O Sangue do Cordeiro de Deus tinge de rubro suas mãos e purificam sua alma, que ele sente agora mais alva que a neve batida pelo sol do meio-dia.

Em meio aos opróbrios e escárnios dos fariseus e seus asseclas, ­Jesus o fortalecia com novos olhares, estimulando-o a avançar até o fim. Simão não ouviu uma palavra sequer saída dos lábios adoráveis do Salvador, mas sentia em seu coração, isto sim, o Sagrado Coração de Jesus dirigir-lhe palavras de conforto e gratidão.

Maria contemplava nele todos os cireneus da História

Segundo São Marcos, “era a hora terça” quando Jesus foi crucificado; à hora nona, Ele “deu um grande brado e expirou” (cf. Mc 15, 25-37). O tempo passava e a multidão injuriosa se dispersava sem pressa. Ao pé da Cruz, poucos ficaram.

A certa distância, Simão contemplava o Calvário, rememorando meditativamente tudo quanto tinha acontecido naquelas inesquecíveis horas; sua imaginação, por assim dizer, projetava-lhe no espírito todas as cenas do dia. A Cruz passou, mas deixou sua alma repleta de alegria.

Enfim, era hora de voltar para casa… Também ele desceu lentamente o Monte Calvário, compenetrado, entretanto, de que doravante sua vida não seria mais a mesma: o sofrimento bem aceito o transformara em herói.

Até o fim de seus dias, o olhar de Jesus, convidando-o a acompanhá-Lo na via dolorosa, ficou gravado na alma de Simão. Não sabia ele, porém, que naquele bendito dia também os maternais olhos da Santíssima Virgem sobre ele pousavam, implorando a Deus Pai graças superabundantes para ele aceitar todos os sofrimentos que a cada passo seu Divino Filho lhe pedisse.

Mas não só. Na pessoa de Simão, Maria contemplava todas as almas que, ao longo da História, seriam chamadas a carregar com amor a respectiva cruz, a serem os cireneus da Santa Igreja Católica, Corpo Místico de Nosso Senhor Jesus Cristo. E por todas elas rezou.

Como recebemos os sofrimentos enviados por Deus?

Estas considerações nos convidam a um exame de consciência:

Quando o sofrimento bate à porta de nossa alma, como o recebemos? Com amor e generosidade, como o Cireneu, ou numa mal disfarçada ­atitude de revolta contra Deus por nos ter Ele enviado dores e sacrifícios? Estamos persuadidos de que o Pai Celeste nos faz peregrinar por um caminho de cruzes para nos purificar, aumentar nossos méritos e, em consequência, nossa glória no Céu?

Assim como o ouro é depurado de toda ganga no cadinho, também nós precisamos passar pelo “cadinho” das dores e das humilhações para sermos purificados da ganga dos pecados e imperfeições. Por isso devemos sempre receber bem os sofrimentos enviados pela Providência, sejam do corpo, sejam da alma. Afinal, Aquele que, inocente, Se imolou por nós na Cruz não merece receber de nós, pecadores, a ajuda de uma quota insignificante de sofrimentos, em comparação com os inexprimíveis padecimentos d’Ele?

Encontro de Jesus com Maria Santíssima – Igreja de Nossa Senhora do Bom Socorro, Montreal (Canadá)

Aceitemos, pois, com a alma cheia de amor, todos os sacrifícios que se apresentem no caminho para subirmos junto com Nosso Senhor até o alto de nosso próprio calvário. “Ah! Mas não tenho forças para isso!”, exclamará alguém. É verdade… “Sem Mim, nada podeis fazer” (Jo 15, 5), afirmou o Divino Mestre. Nada!

Portanto, ninguém tem forças para praticar sequer o menor dos atos de virtude, muito menos para amar os sofrimentos. Lembremo-nos, contudo, de que eles nos são enviados pelo próprio Deus, como um presente de pai para filhos muito amados, e peçamos as graças necessárias Àquela que não hesitou em sacrificar seu Filho para nossa salvação, Maria Santíssima.

Digamos-Lhe com inteira confiança esta prece do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira: “Minha Mãe, ajudai-me em minha fraqueza, em minha pequenez, descolai-me do que tenho de minúsculo e de micro, e fazei de mim o grande herói dos grandiosos feitos aos quais Vós me convidais!” 1 

 

Nota

1 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conversa. São Paulo, 6 fev. 1989.
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