Não passa de pálido símbolo da íntima, enérgica e perseverante ação do Espírito Santo sobre os fiéis, o dinamismo existente numa semente. Em consequência, a força triunfante daquela que foi chamada a ser o Reino de Deus — a Santa Igreja — deverá em certo momento conquistar o mundo inteiro.

 

Evangelho do XI Domingo do Tempo Comum

26 “Dizia também: O Reino de Deus é como um homem que lança a semente à terra. 27 Dorme, levanta-se, de noite e de dia, e a semente brota e cresce, sem ele o perceber. 28 Pois a terra por si mesma produz, primeiro a planta, depois a espiga e, por último, o grão abundante na espiga. 29 Quando o fruto amadurece, ele mete-lhe a foice, porque é chegada a colheita. 30 Dizia Ele: A quem compararemos o Reino de Deus? Ou com que parábola o representaremos? 31 É como o grão de mostarda que, quando é semeado, é a menor de todas as sementes. 32 Mas, depois de semeado, cresce, torna-se maior que todas as hortaliças e estende de tal modo os seus ramos, que as aves do céu podem abrigar-se à sua sombra. 33 Era por meio de numerosas parábolas desse gênero que Ele lhes anunciava a palavra, conforme eram capazes de compreender. 34 E não lhes falava, a não ser em parábolas; a sós, porém, explicava tudo a Seus discípulos” (Mc 4, 26-34).

I – O Mestre por excelência

“Ninguém jamais falou como este homem” (Jo 7, 46) — foi a resposta dos guardas aos sinedritas, quando estes, após tê-los enviado para prender Jesus, os interrogaram: “Por que não O trouxestes?” (Jo 7, 45). De fato, que mestre houve na História à altura do único e verdadeiro Mestre? Se Nosso Senhor é o Bem, a Verdade e a Beleza absolutas, por que não deveria ser também a Didática em essência? Não podemos nos esquecer que Ele é Deus, enquanto segunda Pessoa da Santíssima Trindade, e, portanto, Sua didática só pode ser também substancial.

Ademais, a alma de Jesus foi criada na visão beatífica, e possuía, pois, o conhecimento conferido àqueles que contemplam toda a ordem da criação no próprio Deus. Se isso não bastasse, lembremo-nos de que a Ele foi concedida também a ciência infusa no seu mais elevado grau; e, acrescentado a essas insuperáveis maravilhas, havia também o conhecimento experimental. Ora, esses tesouros todos fazem, de Quem os possui, o Mestre por excelência. Assim, Cristo Nosso Senhor ensinava a verdade como ninguém e com eminentes qualidades pedagógicas que pessoa alguma teve desde Adão, nem terá até o fim do mundo.

Daí o fato de os próprios soldados que foram prendê-Lo,  por ordem do Sinédrio, verem-se num complexo dilema: ou desobedeciam às ordens recebidas, ou eram obrigados a agir contra a própria consciência. Tal era a grandeza manifestada por Nosso Senhor Jesus Cristo no Seu ensinamento, que os soldados foram constrangidos a optar pelo risco de perder o cargo e de até mesmo serem lançados na prisão.

Essa era a luz que se irradiava a partir das pregações do Divino Mestre, abarcando inclusive aqueles que estavam a serviço do mal naquela circunstância.

“Nem o que planta é alguma coisa, nem o que rega, mas só Deus, que faz crescer” (I Cor 3, 7)

Simplicidade e eficácia do método

À margem de qualquer outro motivo, devemos afirmar que Jesus, por ser o melhor de todos os mestres, só poderia ter optado pelo mais eficiente dos meios de ensino. E, por incrível que possa parecer, esse Mestre elegeu para nos instruir talvez o mais simples dos métodos, isento de gongorismos e de exageros. Nada de floreios, nem sinuosidades, nem desnecessárias hipérboles. Desprovido dos desequilíbrios de retóricas mal-concebidas, esse seu método redundava nas mais claras e benéficas explicações.

Apesar de Jesus basear-Se nos fatos comuns e correntes da vida de então, eles nunca perdem sua atualidade, e assim permanecerão até o fim dos tempos, pois em Suas palavras se realiza o “Veritas Domini manet in æternum — A verdade do Senhor permanece eternamente” (Sl 116, 2). A Verdade por Cristo ensinada era Ele próprio e, portanto, eterna. Não só no que diz respeito à sua origem, mas também quanto à sua projeção no tempo, pelos séculos dos séculos.

Ademais, as metáforas empregadas pelo Divino Mestre são úteis como elementos históricos para elaborar uma reconstrução de como era ­vida daqueles tempos.

Um tema fundamental: o Reino de Deus

A preocupação de Nosso Senhor Jesus Cristo não estava centrada em formar grandes literatos, nem gênios em matéria de ciência, nem mesmo artistas excepcionais. Seu essencial empenho era deixar bem clara a doutrina que fundamentava o Reino de Deus, o qual, na sua essência, é constituído pela própria Igreja Católica e Apostólica; um Reino militante aqui na terra, unido a um Reino padecente e a outro riquíssimo e triunfal.

As parábolas de Nosso Senhor Jesus Cristo tinham, pois, um objetivo primordial, além de outros secundários. Todas elas, praticamente, giravam em torno de um tema fundamental: o Reino de Deus. Isso mesmo afirma o Papa Bento XVI: “O tema central do Evangelho é: ‘o Reino de Deus está próximo’. […] Este anúncio representa, de fato, o centro da palavra e da atividade de Jesus”.1

A Igreja se identifica com o Reino de Deus

É comum e corrente entre os comentaristas e estudiosos considerar-se o fenômeno que se verifica com os fundadores: se, após sua morte, a obra se mantiver tal qual esteve durante a vida deles, ou tiver um desenvolvimento ainda maior, isto é um sinal muito significativo da existência de um autêntico sopro do Espírito Santo sobre sua pessoa e sua atuação. Tratar-se-á, neste caso, de um manifesto desejo da Providência Divina, de promover a fixação e expansão daquela obra.

Ora, nenhuma instituição teve tanto sucesso ao longo dos milênios, e mais ainda terá de futuro, como a Igreja Católica Apostólica e Romana. Haverá na ordem da criação algo que possa servir de perfeita analogia a esse grandioso fenômeno? Para isso, será insuficiente a vitalidade contida na semente e no grão de mostarda, objetos da pregação do Senhor recolhida pelo Evangelho deste domingo. E mais insuficiente será se considerarmos os triunfos que a Santa Igreja deverá obter até o dia do ­Juízo Final.

Jamais se poderá comparar o potencial dinamismo que existe numa semente — a não ser como um pálido símbolo da realidade — com a íntima, enérgica e perseverante ação do Espírito Santo sobre os fiéis. Não há obstáculo que impeça a força triunfante da Igreja, pois ela se identifica com o Reino de Deus e por isso deverá em certo momento conquistar o mundo inteiro.

Este fato já foi registrado em certos períodos da História, mas muito mais o será quando for da vontade de Deus que todos conheçam o esplendor da realização das palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo: “As portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16, 18). Uma vez mais, ­reconhecer-se-á nessa ocasião o quanto é patente a divindade de seu Fundador.

II – Parábola da semente

No Evangelho do 11º Domingo do Tempo Comum, Jesus propõe duas parábolas para mostrar o miraculoso desenvolvimento de Sua Igreja e a grande eficácia da palavra de Deus que, lançada nas almas, germina e cresce por si só, produzindo abundantes frutos.

A primeira delas, muito breve, consta apenas no Evangelho de São Marcos, sendo omitida por São Mateus e São Lucas; seu sentido, entretanto, é profundo e pervadido de riquezas.

26 “Dizia também: O Reino de Deus é como um homem que lança a semente à terra”.

Na abalizada opinião dos Santos Padres, assumida e comentada por Maldonado, o Reino de Deus é, em sua essência, a Igreja. No que tange à semente, interpretam-na eles como sendo a pregação da Palavra de Deus. A terra, por sua vez, representa os ouvintes, com uma pequena diferença em relação à parábola do semeador, narrada pouco antes: nesta são contemplados apenas os bons ouvintes, os quais põem em prática o ensinamento evangélico, rendendo uma considerável colheita.

Por fim, o homem que lança a semente é o próprio Cristo, vindo ao mundo “para dar testemunho da verdade” (Jo 18, 37), como Ele mesmo afirmará diante de Pilatos. Entretanto, dada a íntima união de Nosso Senhor Jesus Cristo com seus ministros, e com todos aqueles que pelo Batismo se tornam filhos de Deus, esse homem da parábola representa também aqueles que, em nome de Jesus, se dedicam ao anúncio do Evangelho. 2

Eficácia da palavra de Deus

27 “Dorme, levanta-se, de noite e de dia, e a semente brota e cresce, sem ele o perceber”.

Deus criou as coisas materiais de forma que, analisando sua simbologia, pudesse o homem elevar-se até os mais altos planos da Criação. Assim, o dinamismo que existe nos vegetais é uma bela imagem da ação de Deus nas almas, muitas vezes silenciosa e imperceptível, como afirma São Gregório Magno: “A semente germina e cresce sem ele perceber, porque, embora ainda não possa notar seu crescimento, a virtude, uma vez concebida, caminha para a perfeição, e a terra por si mesma frutifica, porque, com a graça, a alma do homem se eleva espontaneamente à perfeição do bem operar”. 3

Não nos esqueçamos que, conforme escreve Maldonado, “o objetivo de toda a parábola é demonstrar a grande eficácia da Palavra de Deus, a qual, pelo simples fato de cair na terra, como está dito na parábola anterior, logo brota por si mesma, cresce e produz fruto”. 4

Mais adiante, o douto Jesuíta completa: “Ao propor essa parábola, parece que Cristo tencionava não só demonstrar a grande força inata da Palavra de Deus para germinar por si mesma, mas também tirar aos Apóstolos toda ocasião futura de vanglória”. 5 O que equivale a dizer, com palavras do Apóstolo: “Assim, nem o que planta é alguma coisa nem o que rega, mas só Deus, que faz crescer” (I Cor 3, 7).

O grão na espiga simboliza a Caridade, porque a caridade é a plenitude da Lei

Necessidade da nossa livre cooperação

A força que existe numa semente para fazer germinar a planta é imagem do vigor próprio da graça e dos carismas, ao atuarem na alma humana. Mas para esta semente nascer e dar fruto, é necessária a nossa livre cooperação.

Sobre isto, afirma o Cardeal Gomá: “Essa terra, comenta o Crisóstomo, é nossa livre vontade, porque o Senhor não faz tudo na obra de nossa salvação, mas a confia à nossa vontade, para que a obra seja espontânea. É verdade que sem Deus nada podemos fazer na ordem sobrenatural, mas certo é também que Ele não nos salvará sem nossa livre cooperação. O fruto da vida eterna é da semente e da terra, de Deus e do homem”. 6

De modo análogo, não podem os pregadores se despreocupar dos fiéis nos quais semearam: “Contudo, alguém perguntará: ‘Quis porventura Cristo ensinar que os pregadores do Evangelho podem ficar despreocupados, uma vez que tenham lançado nas almas a semente da palavra de Deus? De modo algum. Devem, pelo contrário, exortar, animar e confirmar com frequência aqueles que ouviram a Palavra de Deus, para que conservem o que já têm e não aconteça de outro receber a recompensa ou o demônio arrancar a semente”. 7

Interessante é notar, por fim, o problema levantado por Maldonado sobre a aparente ausência do semeador principal, o qual simboliza Cristo.

“Poderia algum leitor ter dúvidas sobre como entender o papel de Cristo nesta parte da parábola, pois, sendo Ele o principal semeador da Palavra de Deus, se, depois de semeá-la, nada fizesse na alma dos ouvintes (regando-as com sua graça, etc.), ela jamais germinaria. Acontece, de algum modo, que é Ele mesmo quem, como homem, semeia e, como Deus, a faz frutificar. Enquanto homem, lança a semente, como depois fizeram os Apóstolos, e enquanto Deus, a faz crescer com Sua graça, como se irrigasse a alma com chuva contínua”. 8

As etapas da vida espiritual

28 “Pois a terra por si mesma produz, primeiro a planta, depois a espiga e, por último, o grão abundante na espiga”.

Rico em simbolismo é também o paulatino crescimento da planta. Após um lento germinar, desponta da terra o caule, tenro e débil de início, mas já à procura do Sol. Aos poucos ele vai crescendo e surge uma espiga, na qual se formam os grãos, fruto almejado pelo semeador.

Alguns autores, entre eles São Beda e São Gregório Magno, interpretam esta parte da parábola como uma alusão às várias etapas da vida espiritual. Semelhante ao trigo recém-germinado, a alma, no desabrochar da vocação, está ávida de ensinamento e de doutrina, tomada de encanto por tudo aquilo que a conduz ao Céu. Entretanto, a raiz necessária para dar firmeza aos bons propósitos ainda não se formou nela; só depois de ter enfrentado corajosamente as tempestades e os ventos das provações, tornar-se-á apta a produzir o fruto agradável das boas obras.

São Jerônimo, por sua vez, assim sintetiza com base nesta passagem as três idades da vida interior: “‘Primeiro a planta’, isto é, o temor, porque o começo da sabedoria é o temor de Deus (Sl 110, 10). ‘Depois a espiga’, quer dizer, a penitência que chora. ‘E por último o grão na espiga’, ou seja, a caridade, porque a caridade é a plenitude da Lei (Rm 13, 10)”. 9

As duas vindas de Cristo

29 “Quando o fruto amadurece, ele mete-lhe a foice, porque é chegada a colheita”.

Neste versículo, o proprietário da plantação entra novamente em cena. Na realidade, não se tinha ausentado, mas continuava velando pelos grãos que semeara, como aponta Maldonado: “Cristo não deixa de cuidar do campo já semeado, ou seja, nós. Pelo contrário, defende-nos com Sua graça, para não acontecer que Satanás leve a semente da palavra de Deus em nós concebida”. 10

Entretanto, apenas em dois momentos da História torna-se patente e manifesta a presença do Dono da Messe: na primeira vez, para semear o trigo do Evangelho, quando veio para salvar e não para condenar (cf. Jo 3, 17); na segunda, quando aparecer “o Filho do Homem na sua majestade” (Mt 25, 31) para julgar os vivos e os mortos; então Ele lançará sua foice afiada sobre a seara da terra, e esta será ceifada (cf. Ap 14, 14ss).

Embora diminuta, a semente de mostarda possui admirável potência vegetativa

III – Parábola do grão de mostarda

Se na parábola da semente quis Jesus sublinhar o dinamismo intrínseco da Palavra de Deus, alimentada pela graça, na do grão de mostarda é posto em relevo seu grande poder transformador.

Sobre isto, comenta o padre Manuel de Tuya, OP: “Estabelece-se aqui a comparação entre ‘o menor’ que se tornará ‘o maior’. Sucederia de igual modo com o Reino: no início, é mínimo, são poucas as pessoas que se unem a ele, mas ficará tão grande que nele caberão multidões”. 11

E o Cardeal Gomá acrescenta: “O objetivo da parábola é demonstrar a força de expansão da semente do Reino de Deus, que Jesus trouxe ao mundo. Se, segundo a primeira parábola, salva-se apenas uma parte dessas sementes, e mesmo estas, conforme a parábola do joio, misturadas com más sementes, o que restará do Reino de Deus? Com esta parábola do grão de mostarda, Jesus remove todo temor: a força da semente é imensa e vencerá todos os obstáculos, apesar de ser pequena”. 12

Um diminuto grão de admirável potência vegetativa

30 “Dizia Ele: A quem compararemos o Reino de Deus? Ou com que parábola o representaremos? 31 É como o grão de mostarda que, quando é semeado, é a menor de todas as sementes”.

Jesus Se serve de uma imagem agrícola muito comum em Israel e em todo o Oriente. A pequenez do grão de mostarda era proverbial entre os judeus, e não foi em vão que o Divino Mestre o escolheu como figura do Reino de Deus, de modo a tornar ainda mais cogente o exemplo proposto.

Embora diminuta, essa semente possui admirável potência vegetativa. Nas hortas da Palestina, segundo explica Fillion, ela era frequentemente cultivada, devido a suas propriedades medicinais, e o Talmud descreve suas plantas, verdadeiras árvores que atingiam, por vezes, até três metros de altura e podiam suportar o peso de um homem, sem risco de se lhe quebrarem os galhos. 13

O simbolismo do grão de mostarda é interpretado de diversas formas pelos comentaristas. Para o Cardeal Gomá, ele “simboliza Jesus, que o Pai enviou ao campo deste mundo em figura de servo, ‘o opróbrio de todos e a abjeção da plebe’ (Sl 21, 7)”. 14

No mesmo sentido se pronuncia São Pedro Crisólogo: “Cristo é o Reino que, como grão de mostarda plantado no jardim de um corpo virginal, propagou-Se por todo o orbe na árvore da Cruz, e foi tão grande o sabor de Seu fruto que se consumiu com a Paixão, para que todo vivente o deguste e com ele se alimente”. 15

E Santo Ambrósio acrescenta: “O próprio Senhor é um grão de mostarda. Estava Ele longe de qualquer tipo de falta, contudo, como no exemplo do grão de mostarda, o povo, por não conhecê-Lo, não teve contato com Ele. E preferiu ser triturado, para que possamos dizer: ‘Somos diante de Deus o bom odor de Cristo’ (II Cor 2, 15)”. 16

“Sagrado Coração de Jesus” – Igreja Nossa Senhora de Loreto, Lisboa

Triturado, o grão espalha sua força

32 “Mas, depois de semeado, cresce, torna-se maior que todas as hortaliças…”.

O grão de mostarda é também símbolo da pregação evangélica e da própria Igreja, iniciada por Jesus Cristo e continuada pelos discípulos, na Judeia e depois no mundo inteiro.

Quem acreditaria que aquele punhado de homens simples que acompanhavam Jesus, seria suficiente para tornar conhecida, amada e praticada em toda a terra a nova doutrina que o Mestre lhes havia ensinado? Só uma ousadia divina seria capaz de conceber este plano e de incutir nas almas de seus seguidores a coragem para executá-lo.

A Igreja nasceria tal qual a semente que, ao partir-se dá lugar à árvore. Jesus Cristo profetizara a seus discípulos dificuldades, sofrimentos e perseguições.

Afirma Santo Ambrósio: “Sem dúvida, o grão de mostarda é algo vil e diminuto, e expande sua força somente quando triturado. Assim também a Fé: de início parece coisa simples, mas, posta à prova pela adversidade, dilata a graça de seu valor a ponto de embriagar com seu perfume todos aqueles que ouvem ou leem algo a seu respeito”. 17

Com literária beleza é apontada por um autor francês do séc. XVIII a necessidade que tem toda alma de sofrer: “Esse grão não tem força enquanto permanece inteiro. Quando, porém, é moído ou esmagado, adquire uma viva e picante acridade. Eis um belo símbolo do cristão nesta vida: quando ele nada tem a sofrer, costuma não ter força nem vigor; mas quando é perseguido, oprimido, calcado aos pés, quando sofre, quando é reduzido a pó, aí então sua Fé se torna mais viva, seu amor mais ardente, seu coração mais inflamado pelo fogo do Espírito Santo, no qual ele se abrasou — isso é que lhe dá novo vigor”. 18

A árvore da Igreja, repouso para os sábios

“… e estende de tal modo os seus ramos, que as aves do céu podem abrigar-se à sua sombra”.

Ao colocar este belo detalhe no final da parábola, Jesus previa a vitória de Sua doutrina até entre os mais poderosos. Os gênios, os filósofos e os sábios, renunciando à vaidade de sua ciência, viriam repousar à sombra da palavra do Evangelho, a única que ilumina e traz a paz da consciência.

Sobre isso, escreve Teofilato: “Muito pequena é, de fato, a palavra do Evangelho: ‘Crê em Deus e serás salvo’. Pregada na terra, entretanto dilatou-se e aumentou de tal modo que as aves do céu — isto é, os homens contemplativos e dotados de verdadeiro entendimento — vieram habitar à sua sombra. Quantos sábios, abandonando a sabedoria dos pagãos, encontraram no Evangelho o seu repouso!”. 19

E, pitorescamente, o Cardeal Gomá completa: “As aves são gulosas da semente desse arbusto e pousam em seus galhos para comê-la. Representam, essas avezinhas, os povos do mundo inteiro, que vêm pousar na árvore da Igreja para receber seus benefícios”. 20

IV – “Esforçai-vos por alcançar as coisas do alto”

33 “Era por meio de numerosas parábolas desse gênero que Ele lhes anunciava a palavra, conforme eram capazes de compreender. 34 E não lhes falava, a não ser em parábolas; a sós, porém, explicava tudo a Seus discípulos”.

Deus respeita o que criou; assim, tendo dado ao homem a liberdade, não a tolhe, impondo-lhe seus desígnios. Muito pelo contrário, sempre lhe permite aderir ao bem, sem coagi-lo em nada. Claro está que, rejeitando o homem as vias do bem e optando pelas do mal, perde a sua liberdade. Procede Deus desta maneira para ser possível premiá-lo com seus dons e benefícios.

Esta é umas das razões essenciais que levaram Nosso Senhor Jesus Cristo a ensinar através de parábolas, em vez de usar uma linguagem direta e coercitiva. Em face da parábola, facilmente alguém poderá dar uma interpretação diferente da real, e com isso não se tornar tão condenável quanto seria se rejeitasse de maneira categórica um convite de Deus. A parábola é o melhor dos meios para permitir o uso meritório da liberdade que Ele concedeu ao homem.

Por isso Nosso Senhor falava a todos através de metáforas, e na intimidade auxiliava a inteligência dos Apóstolos, explicando-lhes o significado mais profundo de tudo quanto dissera. Assim os Apóstolos, robustecidos pela graça por Ele criada e infundida no fundo de suas almas, viam-se com mais possibilidades de aderir virtuosamente a todos os convites que Cristo fazia de forma muito genérica e insinuada à opinião pública que O ouvia.

A Ponte Sisto refletida no Rio Tíbre, Roma

Quem, analisando essas duas parábolas debaixo do ponto de vista meramente humano, não subisse até o significado mais alto delas, circunscreveria sua capacidade de relacionar-se com Deus e estaria mais preocupado com as coisas “daqui de baixo” e não com as “de lá de cima” (Jo 8, 23). Estaria, portanto, fora do conselho que nos dá São Paulo: “Se ressuscitastes com Cristo, esforçai-vos por alcançar as coisas do alto, onde está Cristo, sentado à direita de Deus; aspirai às coisas celestes, e não às coisas terrestres” (Cl 3, 1-2).

Muitas vezes, contemplar um belo edifício projetado nas plácidas águas de um lago poderá encantar a quem nele fixe sua atenção. Mas esse deslumbramento tem seu fundamento no fato de a figura ser reflexo de algo real; se, por absurdo, houvesse apenas a sua projeção, o encanto não existiria, pois o homem teria a noção clara de que, movendo as águas, aquela beleza se esvaneceria. Entretanto, em se tratando de uma realidade espelhada nas águas, podem estas ser movidas sem que nada sofra o original ali projetado, pois o edifício continuaria a existir inalterado.

Esse é bem o papel dos símbolos dos quais Jesus lança mão para instruir seus ouvintes, quer seja o das sementes, ou o do plantador. Por mais que deixassem de existir, Seu Criador é eterno, e nada poderá modificá-Lo. Daí que nada pode nos ser mais benéfico na contemplação desses belos reflexos, do que elevarmos nosso olhar Àquele que é a causa eficiente, formal e final de todo o Universo. 

 

Notas

1 BENEDETTO XVI. Gesù di Nazaret. Roma: Rizzoli, 2007, p. 70.
2 Cf. MALDONADO, SJ, Pe. Juan de. Comentarios a los cuatro Evangelios – II Evangelios de San Marcos y San Lucas. Madrid: BAC, 1950, p. 98.
3 Obras de San Gregorio. Madrid: BAC, 1958, p. 418.
4 MALDONADO, SJ, Op. cit., p. 98.
5 Idem, p. 101.
6 GOMÁ Y TOMÁS, Card. Isidro. El Evangelio explicado – II Año primero y segundo de la vida pública de Jesús. Barcelona: Rafael Casulleras, 1930, p. 274.
7 MALDONADO, SJ, Op. cit., p. 100.
8 Idem, p. 101.
9 Apud AQUINO, São Tomás de. Catena Aurea.
10 MALDONADO, SJ, Op. cit., p. 99.
11 TUYA, OP, Pe, Manuel de. Biblia Comentada – II Evangelios, Madrid: BAC, 1964, p. 654.
12 GOMÁ Y TOMÁS, Op. cit., p. 276-277.
13 Cf. FILLION, Louis-Claude. Vida de Nuestro Señor Jesucristo – II Vida pública. Madrid: Rialp, 2000, p. 188.
14 GOMÁ Y TOMÁS, Op. cit. p. 277.
15 Apud ODEN, Tomas C. e HALL, Cristopher A. La Biblia comentada por los Padres de la Iglesia – II Nuevo Testamento. Madrid: Ciudad Nueva, 2006, p. 117.
16 Idem, ibidem.
17 Idem, ibidem.
18 Epitres et Evangiles avec des explications – Tome I. Paris: Jean Mariette, 1727, p. 246.
19 Apud AQUINO, São Tomás de. Catena Aurea.
20 GOMÁ Y TOMÁS, Op. cit., p. 277.
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Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP, é fundador dos Arautos do Evangelho.

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